O.TTF – Fontes baseadas em materiais do dia-a-dia
Muitas fontes, principalmente as do tipo display, têm suas formas definidas e baseadas em algum elemento ou material que a ela dá significado, sentido e limita sua aplicação. São exemplos dessas, fontes baseadas em chamas do fogo, fontes cujas formas lembram raios, elementos da cidade como arranha-céus e skylines, outras ainda que imitam fluidos, pedras e plantas. E conceber uma fonte baseada em um determinado material tonou-se uma das atividades realizadas na I O.TTF.
No processo de construção de uma fonte do zero, às vezes, a inspiração está logo ali, do outro lado da janela, no canto da sala, dentro da geladeira, ao abrir a gaveta. Materiais comuns no cotidiano, e incomuns no trato de fontes podem ser o diferencial entre a sua e todo o resto de famílias tipográficas já criadas durante todos esses anos. Porém, esses materiais contribuem emprestando suas formas à nossa imaginação somente, e quanto aos aspectos técnicos da fonte, de onde tirar inspiração? Nessa hora, olhar os grandes feitos de tipógrafos consagrados e fontes de sucesso é fundamental. Quando juntamos as duas metades, temos possibilidades a perder de vista.
E foi exatamente isso que os oficineiros tiveram que fazer: criar uma fonte do zero, baseado no grid de uma fonte de sucesso com materiais inusitados da preferência deles. Os resultados foram animadores ainda mais porque muitos não são profissionais da área de fato. Comecemos, então, a análise dos resultados.
Fonte Baseada em Clips para Papel
Pontos Positivos: O aproveitamento das formas do elemento foi bem aplicado, o clip possui lados retos que se encaixam uns aos outros, como tijolos, e essa característica pode ser percebida na fonte no encontro da haste com a barra horizontal do ‘T’ do exemplo 1, no topo e na barra horizontal da letra ‘A’ também no exemplo 1. Interessante perceber que nesse mesmo exemplo, as letras possuem serifas, característica que não se espera de fontes baseadas em clips para papel. Outro ponto positivo foi a transformação do clip em um elemento modular. O conceito de modularidade na construção de fontes (como àquelas em relógios e cronômetros digitais, letreiros animados com LED, pixelizadas ou feitas à mão por bordadeiras em ponto-cruz) é um bom artifício que funciona na maioria das vezes. O clips foi agrupado em grupos de 4, formando blocos, esses blocos foram unidos de maneira bem geométrica e comedida, gerando as letras de forma no exemplo 3. A quebra do uso mais óbvio do material pode ser percebida no exemplo 2: uma tentativa de tornar algo rígido mais orgânico. O clip é entortado, fundido, invadido por outro clip criando figuras internas curiosas, expandido assim a possibilidade de aplicação da fonte, visto que uma parte da essência do material clip é perdida para dar lugar ao orgânico.
Cuidados a serem tomados: A padronização dos caracteres é algo que precisa ser melhorado, a forma desses varia bruscamente e isso, à nível de família tipográfica, é algo que deve ser levado em conta. A deformação do clip, no pingo do i pode ser algo prejudicial para esse exercício em específico, já que o clip se desfez e tornou-se um pedaço de arame. O material virou matéria-prima, fugindo um pouco do objetivo. O uso de letras em caixa baixa poderia ter sido mais explorado já que haviam clips de tamanhos variados, boa parte da fonte criada foi Versalete.
Fonte baseada em folhas
Pontos positivos: As formas permitidas pela palha da palmeira foram muito bem exploradas através das hastes compridas com terminais e remates firulados, dando um charme especial para essa fonte. O ‘a’ distorceu mais o material para ser construído, ampliando as possibilidades de uso do mesmo. Ainda assim novamente a firula resgata a essência da palha, e é esse caráter romântico que chama atenção. O aspecto divergente dessa fonte faz com que seu uso seja ilimitado pelo material, não resultou numa fonte tropical por ser de folha de palmeira, mas em algo mais clássico e elegante. Os criadores souberam contornar a super flexibilidade do material, e transformar a barreira em um ajuda. É uma fonte sem serifa apesar de lembrar muito uma manuscrita e o grid usado ser de uma fonte serifada. A proporção em altura e largura, junto com o espaçamento entre os caracteres também casaram com o estilo, a leitura está pura e evidencia o belo letterform.
Cuidados a serem tomados: O terminal do ‘L’ em caixa baixa geralmente é voltado para o lado esquerdo, aqui ele está voltado para o lado direito, o cuidado a ser tomado é se nessa fuga do padrão a leitura pode ser prejudicada. Falando em padrão, mesmo não tendo seguido o grid dado à risca (‘o’, ‘a’, ‘s’, ‘h’ possuem altura-x diferenciadas), é importante salientar a mistura de estilos evidentes nas letras ‘a’ e ‘s’. O primeiro apresenta um estilo enformado enquanto o segundo apresenta um estilo mais cursivo, manuscrito. Aplicar vários estilos na mesma fonte à torna incoerente.
Fonte Baseada em Barbante
Pontos positivos: A natureza do material teve um uso óbvio, no sentido de serem linhas retas que compõem as letras, mas isso não deixou a fonte comum, nem pobre, pelo contrário foi um uso ousado dessa natureza, acentuado pelo charme diferente do trançado aplicado. Aplicar um trançado ao letterform fez a diferença para essa fonte quando unida ao universo de fontes já existentes. Uma fonte sem serifa que aparentemente tem uma aplicação limitada, mas que certamente representa muito bem o conceito de vernacularidade e trabalho feito à mão. É interessante perceber o efeito causado pelo peso da fonte, ela é uma fonte forte e larga, mas que é composta por linhas finas e rígidas, a largura e natureza do barbante acrescentam esse peso e presença marcante. Os criadores também souberam contornar as dificuldades de manuseio impostas pelo material, certamente não foi fácil colar o barbante nem moldá-lo. O grid fora usado corretamente e atribuiu à fonte um padrão nas formas e coesão na leitura.
Cuidados a serem tomados: Novamente, poderia ser explorada a criação de caixa baixa e não só de caracteres capitulares, já que pelo grid vemos que não é versalete. A flexibilidade e curvatura proporcionada pelo barbante foram desprezadas de certa forma. Vale atentar para a diferença entre a espessura das linhas, variar entre grosso e fino é elemento característicos de fontes Modernas, mas para isso todas as fontes devem seguir o mesmo padrão de variação.
FAÇA VOCÊ MESMO
Esse é um exercício bem simples de se fazer e gera um material bem rico para análise e estudo de tipografia. Agora é a sua vez de soltar a criatividade e gerar tipos a partir de materiais inusitados, sugerimos: macarrão instantâneo, verduras, pós e grãos, meias e peças de roupa… Se quiser, mande para gente dar uma olhada, quem sabe ela não aparece no próximo post? Ficaríamos lisonjeados em publicar material dos nossos leitores.